Esta é só uma noite para partilhar
qualquer coisa que ainda podemos guardar cá dentro
um lugar a salvo para onde correr
quando nada bate certo
e se fica a céu aberto
sem saber o que fazer
esta é uma noite pra comemorar
qualquer coisa que ainda podemos salvar do tempo
um lugar pra nós onde demorar
quando nada faz sentido
e se fica mais perdido
e se anseia pelo abraço de um amigo
esta é uma noite para me vingar
do que a vida foi fazendo sem nos avisar
foi-se acumulando em fotografias
em distâncias e saudade
numa dor que nunca cabe
e faz transbordar os dias
Parado e atento à raiva do silêncio
de um relógio partido e gasto pelo tempo
estava um velho sentado no banco de um jardim
a recordar fragmentos do passado
na telefonia tocava uma velha canção
e um jovem cantor falava da solidão
que sabes tu do canto de estar só assim
só e abandonado como o velho do jardim?
pensa em mim protege o que eu te dou
fica em mim que hoje o tempo dói
mesmo que a vida mude os nossos sentidos
e o mundo nos leve pra longe de nós
e que um dia o tempo pareça perdido
"Amiga,
Escrevo-te esta carta para te falar de ti, do que tenho vindo a observar dos teus comportamentos que te fazem infeliz. Passas os dias, a submeter-te às ordens dos outros sem nunca protestares, a cumprires com os teus deveres sem nunca exigires os teus direitos, a estar ao serviço dos outros esperando que reconheçam o teu valor.
Nos amores, perpetuas essa necessidade de reconhecimento, despersonalizando-te. Fazes o vazio à tua volta para viver apenas para ele, para o satisfazer em tudo. Chegas inclusive a renegar as tuas desilusões para que ele esteja sempre bem. Pensas que o amor e o respeito dele são a cura para esse mal-estar que sentes.
Sei que te sentes angustiada e ansiosa, que tens tendência para criar demasiadas expectativas relativamente às pessoas que achas importantes e também às outras que te rodeiam no dia a dia. No fundo, tens pavor à rejeição e ao abandono. Gostar de alguém, querer estar com ele, sentir-se plena com o seu olhar pousado em si, é saudável, não se pode é concentrar todo o esforço e todos os pensamentos à volta de uma ou duas pessoas, como se o «eu» fosse o deserto e elas o oásis.
Essa dependência que crias à volta de certas pessoas faz-te sofrer e faz com que os outros se sintam desconfortáveis contigo, porque começas a controlá-los para verificar se ainda gostam de ti: o que dizem, o que não dizem, onde andam e com quem andam, se dão mais atenção a este e a aquele do que a ti. Se telefonam e não adivinham o que queres, fazes senti-los culpados. Se não telefonam porque, no fundo, já sabem que vão ser recriminados nos silêncios, sentes-te infeliz. Como te dás em demasias, achas natural que haja retribuição dos outros.
Infelizmente, vivemos num mundo cada vez mais narcísico onde as pessoas vivem em constante competição. Cada vez menos, há espírito de grupo e por isso o normal é que nem reparem na pessoa fantástica que tu és.
Quanto ao amor, é realmente a cura para essa mágoa que carregas desde pequena, para essa falta de cuidados e de atenção na infância, para as carências que têm vindo a aumentar na tua vida, mas o amor por ti mesma! Na verdade, não precisas da aprovação e do respeito de ninguém para seres feliz. Precisas é de gostar de ti e de te assumir como pessoa querida e bem formada que tu és. Não há cavaleiros andantes que nos salvam do marasmo da depressão. Ninguém é perfeito. Vai haver sempre crises nas relações, dias em que não há pachorra, momentos em que se prefere estar sozinho do que com os outros, isso não quer dizer que o amor e a amizade tenham acabado.
Já reparaste que o amor atrai o amor? As pessoas que gostam de si mesmas e que se sentem bem fisicamente e espiritualmente atraem pessoas como um íman. Mas os pedintes do amor atraem principalmente a compaixão e a pena. É isso que queres para o teu futuro? deixa lá as esponjas no fundo do mar…
Ficares fechada em casa com medo de te envolveres com alguém, com medo de repetir de novo o mesmo padrão de comportamento, não te serve de nada. A rejeição e o fracasso fazem parte da vida. Não vivas na clausura. Apaixona-te pela vida, por passatempos, por actividades. Quem se apaixona pela vida, apaixona os outros e tu tens todas as potencialidades para gerares paixões…"
"Amigo,
Dizes de ti mesmo que és um anti-conformista e que detestas qualquer tipo de festas em que haja obrigatoriedade de se fazer coisas. Dizes que o Natal é um disparate porque as pessoas compram coisas para dar a quem gostam e não gostam, que gastam o que têm e o que não têm, e que até são capazes de passar dificuldades o resto do ano para enfardar à bruta durante as festas de Natal e Ano Novo. Dizes que não estás para estar presente no dia do encontro familiar ou dos jantares de natal instituidos em que todos fingem por uns momentos que se dão todos bem e que nunca quiserem tramar-se nas costas, nem se mentiram, nem nunca te trataram como um idiota. Dizes que não estás para ouvir música sentimentalóide de Natal, num mundo que finge a Paz por uns dias quando o que querem é todos dominar o mundo. Dizes que não estás para gastar um dinheirão numa só noite em roupas compradas apenas para aquele momento e quase a asfixiar no meio de multidões que pretendem divertirem-se e excederem-se naquela noite para uma abstinência de todo um ano.
O que dizes é bem verdade. Não deveria haver dias obrigatórios de se dar prendas, de se ouvir músicas pacíficas, de se estar em convívios forçados e de se pretender ser aquilo que não se é. Também é verdade que as pessoas se excedem e que se endividam escusadamente quando não deviam. O ideal era que as pessoas se dessem bem todo o ano e que não tivessem de agir de forma contrária à sua natureza para agradar aos outros, mesmo quando não merecem. Mas a viver em sociedade tem o seu preço e as coisas não funcionam assim…
Às vezes, fico a pensar de como te deves sentir só, profundamente só, quando olhas à tua volta e vês toda a gente serena e bem humorada, a comprar coisas e a contactar com pessoas que gostam e a serem contactadas por muita gente. Toda essa afectividade que gira à volta do Natal faz-te sentir ainda mais excluido neste mundo moderno tão despersonalizado.
Às vezes, quando te vejo alheado de tudo, fico a pensar se não estarás a recordar os Natais da tua infância em que as luzes do pinheiro piscavam mais brilhantes, rodeado daqueles risos e palavras de entes queridos que já se foram porque simplesmente já faleceram ou porque a vida os levou para longe. Mas será que era assim mesmo como te recordas? É que em criança, não questionamos as coisas nem reparamos nos olhos tristes dos outros porque estamos concentrados à volta dos presentes e da alegria de estar com a família reunida…
Às vezes, quando te vejo assim fechado sobre ti mesmo, fico a pensar que não gostas é de mudanças, que não queres simplesmente quebrar certas barreiras que construiste à tua volta para não sofrer, que é mais fácil assim, não deixar ninguém entrar, ficar preso ao passado, não criar laços novos no presente…
Amigo independente, porque não fazes algo diferente este ano? Uma viagem? Uma reunião com outros que se sentem igual a ti (e são muitos, acredita!)? Um mimar-te, um jantarzinho especial só para ti, com o filme que queres muito ver ou o livro que queres muito ler? E abre-te, assim devagarinho, vais ver que não dói assim tanto, que há sempre alguém por perto que quer entrar e está à porta…"
Parece fácil seduzir no século XXI. As pessoas estão à mão sob todos os aspectos e expõem-se mais (a vergonha e o pudor é para os cotas!) tanto a nível físico como a nível pessoal.
É fácil conhecer-se gente nos bares, no café, no trabalho, na rua e ultimamente na internet. Ele é cha's, ele é eu procuro-te, ele é mensageiros, ele é amigos dos amigos dos amigos às toneladas e sei lá que mais.
O telemóvel permite-nos estar-se ligado ao mundo 24h/24h, em qualquer lado, a qualquer hora, com quem quer que seja (que esteja fisicamente connosco e do outro lado do fio).
Estamos aqui e em todo o lado. Estamos sozinhos e com toda a gente. Estamos íntimos e sociais.
E…
Nunca as pessoas se sentiram tão sozinhas, tão desconsoladas, tão irritadiças, tão agressivas, tão desamparadas e tão depressivas, porque tanta comunicação e tanta gente nova não trouxe mais relações estáveis, nem mais amigos verdadeiros e de confiança. Os amigos vêm e vão. Os amores são efémeros. Os fios nunca chegam a dar laços e muito menos nós.
As pessoas sentem, então, necessidade de arranjar alguém à força, uma alma gémea que as tire dessa teia de momentos vazios. Mas as amizades e os amores não se forçam. Ou há empatia e a amizade nasce ou o elo se esfuma rapidamente. Ou há sintonia e desejo e o amor floresce ou o amor morre na nascente.
Não nos devemos impor a ninguém. Não devemos dizer: - Cheguei e preciso já de ti! É preciso criar os fios invisíveis que nos ligam ao outro. Se for ao amigo, devemos criar um tecido de afinidades. Se for a uma paixão nascente, devemos criar o desejo do reencontro.
Não devemos dar-nos por inteiro logo nas primeiras abordagens. Lagos obscuros não incitam ao banho, mas transparência a mais também faz perder todo o mistério. Não devemos esperar muito do outro e tentar aceitá-lo como é, assim evitaremos as decepções de altas expectativas.
Seduzir é como ter uma cana de pesca e puxar alguém para nós com um fio. Se o fio for fraco, a sedução será desfeita. Se for forte demais, iremos aprisionar o outro nas malhas da posse. O fio deve ser suficientemente leve e forte para que o outro venha ter connosco sem termos de o puxar.
Sedução é uma coisa cada vez mais esquecida, disse o eco no país duma raposa e dum principezinho…
O amor cultiva-se todos os dias através de pequenos gestos. Também é verdade que há loucuras e feitos grandiosos que marcam profundamente uma relação, mas por mais incrível que pareça, o que recordamos de alguém que já amámos em tempos são pequenos quadros felizes de todos os dias recheados de pequenos gestos.
Uma concha que se apanhou na praia num fim de tarde mágico… Um abraço doce depois dum dia não… Um malmequer apanhado na relva… O abrir a porta do carro… um elogio inesperado… um telefonema imprevisto… uma massagem na testa em tempo de dor de cabeça… Uma noite num local agradável planeado com antecedência… Uma surpresa… Uma mensagem carinhosa… Uma folha de papel com um poema… Dar as mãos espontaneamente… Uma ida ao restaurante favorito… Uma carícia no cabelo… Uma caixinha de chocolates… Olhar nos olhos… Uma sobremesa especial… Tudo isto são pequenos gestos que se recordam com carinho e que embelezam a vida de um casal.
Há alturas em que nos sentimos sós, mesmo isolados do resto do mundo. Encaramos o estar só como algo de profundamente negativo, como se o ficar entregue a si mesmo, fosse igual a ficar fechado num quarto escuro, com o monstro mais destruidor de todos os tempos. Não é o não se ter ninguém por perto que perturba, é o ficar-se entregue aos próprios pensamentos aterradores!
Depois, a sociedade impõe que se tenha alguém à força e que se tenha filhos, mesmo se muitos homens e sim, muitas mulheres, não tenham o mínimo instinto paternal e maternal. Procria-se porque assim os olhares acusadores o exigem. Homens e mulheres que vivem sozinhos por opção são encarados como desvios da norma, como pessoas que devem ter grandes pancadas, pois não se relacionam com ninguém e/ou são uns tresloucados porque coleccionam afectos. Parece que é obrigatório estar-se sempre dependente de alguém e não sermos responsáveis da própria liberdade.
O problema é quando a solidão pesa. Fugimos do silêncio como a formiga foge das canções da cigarra. Ocupamo-nos com múltiplas actividades, enchemos o tempo com encontros e telefonemas e evitamos ao máximo aquele momento em que ficamos de novo em casa sem ninguém, entregues ao vazio do eu. Porque sim, é disso que se trata, encarar o vazio de si mesmo. Ficamos a pensar o quanto somos inúteis por não sermos o mais que tudo de outrém. Ficamos a delirar sobre o que não se teve e o que se poderia ter dito e feito e ficamos sempre a perder.
Que fazer então? Para mim, funciona escrever. Anoto numa folha os pensamentos e os sonhos por realizar. Faço listas de tarefas e anoto o nome de pessoas de quem não sei nada há muito tempo e mudo de maneira de pensar. Reflicto sobre o facto de não fazer determinadas coisas devido ao olhar reprovador dos outros e mudo de atitude. Nós somos o que pensamos e temos a obrigação de não fazer novelos enrodilhados de pensamentos negativos, que se transformam em meadas enormes de pessimismo, em vez de tricotar lindos cachecóis e camisolas para oferecer de presente aos outros e a si mesmo.
Os outros não servem para preencher as nossas carências. Somos os próprios enfermeiros afectivos e nós é que temos de curar as nossas dores profundas e aprendermos a colmatar o vazio, só assim é que podemos atrair alguém na nossa vida, por nós e não para encher o vazio e o silêncio…
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